sábado, 6 de agosto de 2011

Luiza

Já era noite alta, e ele estava inquieto, doentiamente inquieto. Saiu para caminhar entre as ruas escuras, vagando pela selva de pedra como quem procura por um perdão que não existe. A rua estava deserta, os poucos bares que ainda resistiam à violência da madrugada já tinham as portas baixadas pela metade, e os funcionários aguardavam de olhos inchados até que os últimos bêbados virassem o último gole de sua amargura, pagassem a medíocre conta e fossem sofrer n'outro lugar.

A rua estava nua... "A rua está nua", repetia ele, murmurando... Isso daria um poema...
"A rua estava nua...
A rua estava nua...
A vida, outrora sua
De repente é amargura
É solidão
E a rua, estava nua... E nua... E por que não?"

Entrou no último dos bares, esquivando da porta que estava fechada pela metade.
- Já fechamos, campeão!
- Quero só um conhaque. Em copo de plástico, pra viagem... Por favor...
O Rapaz do balcão serviu o conhaque, pegou a nota amassada e colocou com desdém na gaveta do caixa. Era só mais um amargurado e busca do último copo. E a amargura tem disso, ela caleja, ela cansa, e as pessoas se acostumam. De repente, e não mais que de repente, a dor alheia é só mais uma dor, dentre tantas outras. Bola pra frente.

Continuou a vagar pela rua imunda, deserta e escura. Matou o copo de conhaque num só gole, e com os olhos marejados fitou o céu: a lua estava cheia. Redonda, imensa, amarela, boiando no céu, um céu limpo, negro, hipnotizantemente negro...

Não tinha como fugir daquela lembrança, daquele nome, daqueles olhos... Luiza. A lua tinha a cara de Luiza. Tinha a mesma candura do olhar... Luiza... Luiza... Luiza...

Ele lembrou ter lido em algum lugar por aí uma história de superstição que dizia sobre fazer um pedido para a lua cheia, de ter um desejo... Desejo? O seu desejo era sempre o desejo dela. O seu desejo tinha nome: Luiza. Luiza era um amor, mas um martírio. E era preciso esquecê-la. Era preciso cair na noite escura, ser tragado pela imensidão amarga daquela noite fria, e esquecer Luiza. Era preciso fazer poesia, era preciso cantar, chorar, gritar, se revolver e se transformar em música e poesia para esquecê-la. Esquecer Luiza... Tem como?

Era inútil. Todos os versos que ele fazia o remetiam a um só lugar comum: Luiza. Todo o lirismo, ainda que barato, que aquele infeliz vertia, era por Luiza.

Sentou no meio fio, e sentiu os primeiros raios de sol baterem no seu rosto. O dia amanhecera. A noite o vomitara, e devolvia aquele corpo errante ao dia que nascia. Tudo foi inútil, ele não esqueceu Luiza nem por um segundo. Tentou lembrar de toda a frieza com que ela o abandonara, mas de nada adiantou. Sua mente só conseguia fazê-lo lembrar que, ainda que Luiza fosse fria, havia sob aquela neve um coração, e um coração onde um dia ele fez sua morada. Pobre infeliz!

Ele ainda amava. E quando a gente ama, é inútil tentar que a noite nos engula e nos faça esquecer. Porque sempre vai amanhecer, seremos vomitados e vamos lembrar, com o sol esmurrando nossa cara, que o amor existe. Ele amava, e isso bastou.

Luiza
(Tom Jobim)

Rua,
Espada nua
Boia no céu imensa e amarela
Tão redonda a lua
Como flutua
Vem navegando o azul do firmamento
E no silêncio lento
Um trovador, cheio de estrelas

Escuta agora a canção que eu fiz

Pra te esquecer Luiza
Eu sou apenas um pobre amador
Apaixonado
Um aprendiz do teu amor
Acorda amor
Que eu sei que embaixo desta neve mora um coração


Vem cá, Luiza
Me dá tua mão
O teu desejo é sempre o meu desejo
Vem, me exorciza
Dá-me tua boca
E a rosa louca
Vem me dar um beijo
E um raio de sol
Nos teus cabelos
Como um brilhante que partindo a luz
Explode em sete cores
Revelando então os sete mil amores
Que eu guardei somente pra te dar Luiza
Luiza
Luiza...

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